sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

VERDE FAROL


Era uma vez.
E era uma história real.
Era uma vez um menino de farol.
Quantas vezes ele ficava assim aguardando o sinal fechar para então passear por entre os carros, oferecendo chicletes de hortelã, balas de coco, chocolates baratos...
Quantas vezes ele só temia ter que voltar para casa com as mãos vazias, porque era o arrimo, o amparo, a alegria da avó doente e velhinha.
- Vovó, minha vovozinha! – suspirou.
E agora?
Que fim levou aquele menino maltrapilho, de olhos verdes “tão doces”, cabelos cacheados “como os de um anjo de luz” definidos assim pela avó?
Em que nuvem habitaria?
Por que a vida sofreu tamanha mudança?
O casal francês que o adotara, agora também morto.
Herdeiro universal, o menino do farol!
Mas...
E o passado?
O que sobrara daquele passado jogado definitivamente para o espaço sideral?
Trinta anos...
E agora com o farol vermelho para ele, o menino ressurgia dos escombros daquela favela.
Mil pensamentos doídos.
E se nada tivesse mudado?
E se o menino do farol, agora órfão de todo, retornasse de Paris para o Rio de Janeiro sem saber o que fazer com tanta riqueza e com tanta solidão?
E se o hoje não fosse um novo dia para ele?
Desceu do carro, atravessou uma pracinha mal cuidada, suja de folhas trazidas pelo vento, onde algumas crianças brincavam barulhentas.
Sentou-se à mesa da primeira lanchonete.
Uma boa gorjeta para a mocinha que o atendeu; ela entendeu que ele queria ficar só tomando um café e lendo um jornal.
O celular tocou umas duas ou três vezes, mas ele nem se mexeu.
Escondeu-se da realidade.
Um homem grisalho chamou sua atenção. Era manco, estava descalço e vestia um macacão azul surrado. Comia com certa avidez um pão rasgado com as mãos.
Outras crianças se aproximaram dele e o homem percebeu que ele era o avô.
Um rapaz bem mais velho do que os outros também se aproximou do idoso e lhe falou rapidamente:
- Vou demorar a voltar, meu pai. Vou viajar com o patrão.
Pode ser que na próxima semana eu esteja de volta.
Largou o jornal e foi para o meio da praça, cigarro na boca, procurando alguém que tivesse um fósforo.
O velho lhe passou o isqueiro.
-Todos seus netos?- perguntou.
- Onze; todos eles filhos do Odorico e da Nega que sumiram pro mundo, não sei se estão vivos ou se já morreram. O menorzinho só tem dois anos. Judiação! Olha ele lá.
E chamou:
- Juju, venha cá!
Voltando à lanchonete, o homem mandou que preparassem uns lanches com fartura de recheios, dois quilos de balas e outras guloseimas, quatro caixas de leite, pagou, agradeceu à garçonete e retirou-se, levando tudo para a praça.
Depois, entrou no carro, estendeu a mão para o velho e lhe falou baixinho:
- Tem um presente para você na sua sacola de lanches, mas só abra quando estiver em casa. Adeus, meu velho!
E se sentiu tão bem como há muito tempo não acontecia!



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