sexta-feira, 6 de junho de 2014

"O MENINO QUE VIRIATA LEVOU"













Chamava-se Dutra.
Dutra não é nome; é sobrenome, mas as pessoas acabaram acostumando-se com ele.
Era um menino triste, corcunda, de pele amarelada, orelha direita faltando um pedaço. 
Tinha vergonha de procurar companhia, de ir à escola, de falar com as pessoas. Aliás, por não ter com quem conversar, atrofiaram-se-lhe as cordas vocais.
Órfão, fora criado pela "tia" Viriata, uma prima distante do suposto pai, que o maltratava muito e fora a responsável por aquela corcunda que lhe nasceu às costas.
Um belo dia, a "tia" acabou indo morar nas alturas - decerto estaria confinada a um purgatório sem fim - e o menino trancou-se na choupana da velha.
Foi então que ele descobriu guardados numa caixa uns papéis estranhos, umas fotografias, uns envelopes que nem haviam sido abertos e imaginou que seriam histórias da própria família, ele que achava que nem tinha uma...
Lembrou que não sabia reconhecer letra alguma, mas de repente seu rosto se alegrou: o padre Sodevalino poderia explicar aquelas coisas para ele.
E então, no dia seguinte, bem cedinho, ele foi atrás do bom padre que o atendeu com solicitude e carinho:
- Mas Dutra, onde é que você estava escondido? Por que se afastou da igreja? Você que gostava tanto dos cultos!
Gostoso mesmo foi o abraço com que o padre lhe presenteou.
- Que bom sentir esse aconchego! - pensou
Olhando para a caixa, o padre falou:
-  Dutra, aqui estão coisas que devem pertencer ao passado de sua família. Lembro que a sua tia Viriata me disse uma vez que havia uma caixa dessas em sua casa. Eu fiquei de ver isso, mas acabei me esquecendo e a Viriata nunca mais me visitou.
E, mostrando-lhe uma foto:
- Veja que linda esta menina! Parecem mãe e filha.
De repente, o padre Sodevalino parou de falar e pôs-se a ler. 
Eram cartas e mais cartas, pedaços de uma vida que o padre foi revelando ao velho menino, soltando, de vez em quando, a mesma expressão.
- Judiação!
- Mas que judiação!
- Dutra, amanhã bem cedo nós vamos viajar. Tem um endereço aqui e eu acho que o mistério de sua vida vai estar explicado. Porque de fato não acreditava muito na história que a Viriata contava. 
- Sabe o que está-me parecendo? Que Viriata nem era sua parente, nem parente do seu pai como ela afirmava...
E de manhã, partiram o menino e o padre. 
Nunca que aquele menino foi tão feliz como naquele instante em que retrocedia no tempo em busca de si mesmo.
Quando o trem parou, o coração do menino também parou. Pressentimento? 
O endereço era pertinho da estação. 
Uma casa velha, enorme, austera, toda pintada de marrom, com janelas azuis, um jardim que escondia flores de diferentes matizes e cheiros.
- Que maravilha de lugar! - exclamou o padre.
Alguém surgiu na trilha que dava para o interior da casa. 
Ao ver o menino, a aparição soltou uma expressão de horror:
- Nossa Senhora! O patrão voltou...
E o patrão era o Dutra.
Patrão, porque era a cara do pai falecido há seis meses num acidente de carro.
Dutra que havia sido sequestrado desde bebezinho por uma antiga empregada invejosa da felicidade que habitava no lar daquela família. 
Dutra que, na realidade se chamava Dogmar Barelli.
Dutra que tinha mãe e ela vinha ao seu encontro, cambaleando, triste, sem entender o que Deus lhe reservava.
Olhou para o menino, apertou-se a ele, pediu-lhe perdão e o beijou.
Depois de tanto tempo mudo, o velho menino Dogmar gritou:
- MÃE? MINHA MÃE? 
E foram todos para dentro de casa a fim de recuperar a vida que durante tanto tempo ensurdecera por ali.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

"CRIANÇA"




Criança, não esqueça
que a natureza depende de nós,
que a nossa vida depende de nós,
que precisamos plantar sementes boas
para que a felicidade não se canse de nós,
para que o futuro venha risonho
e as pessoas possam melhorar a cada dia.

Criança, não deixe
que o coração comece a cultivar 
o negro do ódio, 
o horror das vinganças,
o amargo da guerra
que só trazem miséria e solidão.
Antes, caminhe em busca do bem
e encontrará a harmonia,
o destemor,
o veio da vida,
a fonte do amor.

Criança, aprenda bem cedo
que o amor supremo tem apenas um nome: 
- É Deus!

"SENSÍVEL CORAÇÃO"




Não há nada mais sensível no mundo
do que este meu coração
que gosta de alguém 
que nem nome tem
que os olhos não veem
que nem pode caber
numa sombra sequer
da palma da mão.

Não há nada mais sensível e teimoso
do que este pulsar
furtivo e choroso 
que busca e rebusca
suspiros e afagos 
e aconchego também
e, finalmente,
num susto prender-se
à magia de um amor
libertado e feliz. 

Luiza Valio