sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

UM MINIRROMANCE DE MINHA AUTORIA: " A CHAVE".


Quando Liz entregou aquela chave à Melissa, antes de embarcar para a Holanda, e disse: - “Tome, amiga, fique com ela; não preciso mais desta chave”, a ex-colega de quarto pensou que ela havia enlouquecido.
Preocupou-se com aquilo.
Mas aos poucos foi recobrando as idéias.
Liz sempre fora muito livre, muito dona da própria vida, única herdeira de uma fortuna resumida em iates de luxo e, portanto, sem problemas financeiros.
Que fazer com uma casa no Brasil se na Holanda ela poderia ter quantas casas quisesse, com o seu príncipe encantado tão rico e famoso, encontrado, por acaso, no último carnaval?
Torton a levava embora!
Nem mesmo a amiga conhecera o ladrão do coração de Liz.
Sabia apenas que tinha lá seus sessenta e tantos anos. Uma vida a mais, comparando-se com a idade de Liz.
Já no aeroporto, ambas se despediram:
- Preciso ir neste horário; Torton me espera lá. Fique feliz, Melissa, porque eu também vou ser e muito, tá?
Liz não quis ver a amiga chorar, como sempre fazia nas suas despedidas. Beijou a amiga na face, numa última despedida.
Melissa sentiu uma forte dor no coração: tinha certeza de que essa era a última vez que a via e a última amiga tão exata, tão certinha, que perdia.
Claro que havia outras, que Melissa perdera para um casamento, também, mas estavam todas morando muito próximas dela. Dava para ter contatos breves.
Já Liz... Do outro lado do mundo!... 
Era longe demais para Melissa. Impossível demais para Melissa.
Acostumada a uma vida de provações e de lutas, batalhando dia a dia, sem família, certamente sofreria pela falta dessa amiga e só não seria tão solitária se não houvessem as outras.
Solidão nunca foi bom para ninguém!
Vagarosamente, voltou para a pensão onde morava na Rua da Consolação.
No dia seguinte iria conhecer a casa de Liz.
Só então percebeu que jamais ela tocara no assunto. 
Não sabia da existência dessa casa. 
A amiga sempre morara em hotéis...
E o sono que não vinha...
Na cabeça, tantos pensamentos, tantas conclusões. Talvez ela tenha herdado essa casa de algum parente e a região não lhe agradara. Será que algum amante a presenteara?
Decidiu não trabalhar no dia seguinte.
Iria conhecer a tal casa de Liz.
O endereço gravado na chave...


Passava das 8 horas quando Melissa saiu de casa.
- Oi, Bóris, estou com uma enxaqueca horrível. Alguma coisa que comi no jantar não me fez bem. Deve ter sido a pizza de enchovas. Não estou acostumada. É, comi com a amiga Liz no aeroporto. Segura para mim, tá?
- Tudo bem, Melissa! Mas a loja está recebendo mercadorias novas e você se recomponha até amanhã. Ok ? Beijos!
O dia prometia muito calor.
A chave na bolsa lhe dava a estranha sensação de ser a proprietária do imóvel.
Coitada!
Durante toda a sua existência, trinta anos de vida, jamais tivera a oportunidade de ter seu próprio espaço! Sempre dividindo com outras companheiras, desde que fora abandonada pela mãe na porta de um colégio.
Ainda bem que fora na porta de um colégio! Isso agradecia sempre.
- Mãe é uma bonita palavra!
Exclamou alto, porque a rua estava deserta e tranqüila; muitas árvores, um bairro calmo, bucólico.
E o portão numerado:
- 527!
Quase desfaleceu!
Devagar, foi entrando, escutando aqui, ali.
Parecia tão familiar aquela casa! Porque sonhara com uma casa assim durante toda a sua vida.
Dava a impressão de ser pequena, retraída, olhando da rua, mas não era nada disso!
Um hall comprido, tipo galeria, quadros coloridos enfeitando as paredes. 
Natureza morte e alguns "Anita Malfatti" davam passagem, de um lado, para um quarto com janelas enormes, cortinas lilás, no mesmo tecido da colcha e da toalha que cobria a mesa num canto e o divã; de outro lado da parede, onde se achava instalado um armário embutido, um espelho maior que ele, todo em madeira dourada com bordados nas laterais.
No teto, uma pintura em relevo de anjos em tons rosa e azuis.
O deslumbramento foi maior quando, do outro lado, pode ver a sala de estar. 
Entrou. 
O tapete de pluma branco roçou seu tornozelo e ela se jogou ao chão.
- Meu Deus! Que coisa magnífica!
A mobília verde musgo fazia um contraste maravilhoso no ambiente.
Cada parede era um cenário à parte.
Quatro paredes pintadas por Aldemir Martins! E com assinatura dele!
Não havia cortina na sala.
As janelas tinham formato de leques abertos.
Muitos bibelôs espalhados pela mesa e pela cristaleira.
Contígua à sala, uma biblioteca; muitos livros e também muitos discos e filmes, tudo ao alcance das mãos, bastando girar um botão a bordo de um acento que se elevava.
Havia licor no barzinho.
Melissa serviu-se de um cálice e foi descobrir a cozinha no final do corredor.
Toda branca, impecável, uma beleza! Uma mesa tão enorme...
Mais uma saleta: era a lavanderia.
Só faltava o banheiro.
Onde estaria o banheiro?
Será que não notara que o quarto seria uma suíte?
Voltou para lá e então percebeu que a porta era um pedaço do espelho. 
Empurrou mansamente e entrou para aquele jardim (?) em pleno quarto (?), com sauna, piscina, luz natural, uma banheira magnífica, espelhos por todos os lados.
Era incrível!
Como pode um sonho seu de repente acontecer?
E ser tão belo quanto no sonho?
Sentou-se numa poltrona, emocionada; quase nem percebeu que a poltrona girou de mansinho, e nesse girar foi acompanhada por uma melodia.
Nos altos e baixos da música, as águas da piscina mudavam de cor, como se as luzes fossem nela se banhar.
Sentiu saudade de Liz.
Saudade e medo por ele.
Por um momento, achou que nem a conhecia direito.
Como explicar o que Liz abandonou ali?
Com certeza, ela voltaria um dia.
Enquanto isso não acontecesse, Melissa abandonar-se-ia naquele tempo e naquele espaço.
Começou a fazer seus planos.
Mudaria definitivamente no próximo final de semana. No sábado ou no domingo. Estava sem dinheiro para tirar suas coisas de onde morava; o salário só sairia na sexta-feira!
Contou tudo para o amigo Bóris.
Alguém teria que saber, pelo menos uma pessoa deveria saber da história na qual se enveredara.
- Olha, Melissa – disse Boris – posso ajudar a limpar o chão, a tirar a poeira; depois disso, a gente pode ouvir um rock na piscina, dançarmos um pouco, tomarmos um drinque. Que tal?
- Não precisa, Bóris. Tem pouco ou quase nada para ser feito lá.
Na verdade, ela não queria acordar!


Foi para lá na quarta-feira.
Não parou de pensar em Liz.
Onde estaria?
Pensando, foi vasculhando umas gavetas do armário do quarto em busca de algumas coisas da amiga.
Só havia um álbum de fotos antigas: crianças pequenas enfeitavam as mesmas; uns dois ou três anos. Ou pouco mais do que isso, quem sabe. Seriam amiguinhas de Liz? Ou parentes?
Sem datas! Nem nada! 
O álbum foi deixado no mesmo lugar.
Deveria preservá-lo, claro!
O trabalho para Melissa foi ficando mais leve. Tinha mais ânimo para passear, ir ao cinema com as amigas. Gostava mais da companhia delas, porque depois voltaria para o seu aconchegante lugar.
- Você devia dar uma festinha, Melissa! Ou me convidar para morar com você! A gente se dá tão bem... E não estamos assim tão mal de finanças...
- Um dia, a gente fala sobre isso, Bóris. Por ora, olha o chefe... Não posso perder este emprego!
Aí, um fato estranho ocorreu. 
Chegara uma correspondência para Liz.... Mas da Holanda! “Tio Alan” assinava o envelope. 
Achou que deveria abrir o envelope, pois a amiga não deixara nenhum telefone ou endereço de contato.
O tal de “Tio Alan” dizia que chegaria na sexta-feira.
Mas não apareceu.


E Melissa mudou-se para o local no domingo, definitivamente.
Vida nova!
Novas aspirações!
Duas semanas depois, nova correspondência do mesmo tio de Liz avisava que chegaria na quinta-feira. Mas também não apareceu...
- Melissa, hoje é quinta-feira. Você colocou data errada nesta Nota fiscal!
- Como, Bóris? Hoje é quarta-feira! Ora, 15 de junho...
- Tá errado, Melissa! Hoje é quinta-feira e é dia de faxina. Tá vendo a Celina?
O coração dela, sem mais nem menos começou a disparar. Os imensos olhos claros espremeram-se, fazendo estremecer todo o seu corpo. 
Parecia que ia desabar. Um medo terrível do desconhecido assaltou-a.
Ainda estava nesse estado quando deixou o trabalho.
Já no ponto de ônibus, começou a chover.
Para proteger-se, foi a uma lanchonete e pediu um chocolate quente. 
A chuva só fez aumentar uma barbaridade. 
As horas passando. 
Precisava ir para casa.
E foi toda trêmula e molhada que tomou aquele ônibus e chegou em casa.
Estranho pressentimento. Será que o tal “Tio Alan” estaria ali?
Que bobagem! 
Se ele estivesse ali, teria acendido as luzes! Pensou em acender as lâmpadas, mas não o fez. Ouviu algum barulho. Sorrateiramente, foi aguçando os sentidos, apalpando os móveis para não fazer barulho, nervosa, quase desfalecendo...
No quarto, um abajur aceso. Mas ela não deixara o abajur ligado, não!
Sussurros... De prazer!
Eram duas pessoas envoltas em si mesmas na cama onde Melissa dormia.
O que fazer?
Vai que Liz voltara!
Era direito dela querer tudo de novo!
Resolveu ficar na cozinha, quietinha, debaixo da grande mesa onde uma toalha muito linda quase tocava o chão. 
Ali ficou uma eternidade. Bem, no dia seguinte elas conversariam. Dormiu...
Melissa acordou com o barulho de um motor que saía. Era madrugada. Mas não deu tempo de ver quem estivera em “sua casa” naquela noite.
Será que voltariam?
E Liz, onde estaria essa mulher?
Precisava encontrá-la!
Três semanas depois, novo telegrama para Liz.
Decidiu sair de casa dessa vez. 
Voltou dentro de um taxi, a tempo de ver outro veículo saindo da casa.
Notara que os lençóis haviam sido trocados.
Tanto da primeira como desta vez.
Quem lavara?
- Com problemas, Melissa? De novo sonhando acordada? O chefe está lhe chamando.
- Não, Bóris, estou bem! Vou lá!
- Melissa, há uma entrega para ser feita na Rua do Rouxinol. Não é a sua rua? Que tal você quebrar este galho para nós? São toalhas de banho e roupas de cama... Pago o taxi, tá?
- Claro, chefe! Coloque o endereço. Para que horas a entrega?
- Para as 7 horas da noite. Muito obrigado, Melissa!
Bóris ligou para o carro e ajudou-a na saída.
- Vamos para um cineminha depois?
- Não dá, Bóris! Estou meio cansada hoje...
Despediram-se. Mas ele acabou roubando-lhe um beijo tão bom que ela quase abandonou-se.
- Carência, boboca! – falou baixinho.
Uma vez dentro do taxi é que foi olhar o endereço.
- 527? ... 527...! Mas 527 é o meu número!
Deve ser Liz!
Ela veio de novo!
Pagou o taxi. Ia colocar a chave na porta, mas, por instinto, resolveu tocar a campainha.
Só durou quinze segundos.
Ele apareceu ali. Um desconforto geral tomou conta do seu corpo. Por um momento, esqueceu até do seu nome. Os olhos, os movimentos daquele homem, seu sorriso... Inundou-se de uma sensação como jamais sentira em sua vida.
Balbuciou:
- Suas encomendas, senhor...?
- Alan, sou eu mesmo... Obrigado! Ah, toma isto.
Era uma nota de cem reais.
- Não posso aceitar, senhor... Alan...
- Você fez um favor e deve ser paga por isso!
Melissa teve ímpetos de correr, de gritar, de chorar, de pedir explicações. 
De repente, mansamente, ele fechou aquela porta.
Por um momento, sentira ciúmes da companheira dele. E nem sequer a conhecia. 
Sentou-se durante algum tempo na calçada a uns vinte metros dali.
Decidiu voltar ali e abrir a porta. Decidiu saber o que acontecia ali. A casa era de Liz.
Mas o “Tio Alan” também era de Liz.
Meu Deus!
Dormiria num hotel qualquer.
Dormiria?
Nem naquela noite nem em muitas outras foi capaz de conciliar o sono.
Tentara encontrar alguma coisa daquele homem, algo que ele esquecesse por ali na casa, algo que lhe desse certeza de que aquilo não era um sonho.
- Vou ficar caduca! Por que Liz não me manda notícias?
Por que não me escreve? Ela tem meu endereço do escritório e da casa. Por que isso, Liz?
O fato repetiu-se mais umas três vezes.
Quando os telegramas chegavam, ela saía de casa.
Resolveu ir embora, voltar a alugar um quarto nalguma pensão.
Um sentimento estranho e louco, porém, por aquele desconhecido foi tomando conta do seu coração. 
Que loucura! O que era o amor para ela? Mereceria ser amada alguma vez, algum dia, por alguém? Coitada! Tão boba, que o primeiro olhar de alguém a fazia besta assim!
Antes de sair da casa, foi ao Cartório de Registro. Saber sobre aquele imóvel. E soube. Não era propriedade de Liz Bertim. A casa era de Alan Marrieson já há três anos. O tempo que Liz fora embora, deixando a chave. 
Não entendeu mais nada.
Teria que desvendar o mistério.
Se fugisse, nada saberia.
E se tivesse acontecido alguma tragédia com a amiga?!
O sábado prometia muito sol.
Programou ir à praia com as meninas, mas foi tomada de um forte mal estar. Dor de cabeça. Febre. Resfriado!
Teria que ficar de molho.
Medicou-se e voltou para casa, não sem antes encomendar um pouco de água do mar e conchinhas.
Sempre faziam isso quando visitavam o mar.
- Se cuida, Melissa! Voltamos na segunda. Ligamos para a loja, tá?
Seguiu direto para um banho. O som mais alto que pudesse suportar, pôs-se a cantar com a música.
Que delícia!
Sentindo-se bem, foi preparar algo para comer. 
Ouviu a campaínha.
- Quem será? 
Ninguém tocava a campainha para ela...
Talvez outra carta do “Tio Alan”?... E se for Liz?
E Melissa parou diante da porta já aberta por “ele”.
- Ah... Você deve ser a amiga da Liz, a Melissa!?
Branca, apavorada, coração cantando alto, forte, nem notou que a toalha deslizara para o chão.
“Ele” a apanhou, mas não a cobriu.
Deixou no espaldar da cadeira, aprovando o que via:
- Fica assim. Está linda!
Passou e foi servir-se de um licor. Trouxe um para ela também.
- Não precisa temer nada. Respeito as amigas de Liz como respeito minhas irmãs.
- Tem alguém com você hoje? Só preciso de quinze minutos para vestir-me e sair...
- Não. Fiz algum estrago por aqui? Acho que não. Não costumo deixar rastros por onde passo.
De repente, ele se tornou grosseiro e rude.
Melissa mudou de assunto:
- Como vai a Liz? Por que ela não me dá notícias? Você é da Holanda também?
- Liz tem uma menina linda. Papai cuida delas muito bem!
- Papai?
- É. Mas não vamos falar disso. Gostaria de tomar um banho. Posso?
- A casa é sua... Senhor Alan... Mas porque mandava telegramas se sabia que Liz não morava mais aqui?
- Ela vinha comigo. Era para avisar a você da nossa chegada. Segundo Liz, você compreenderia tudo e deixaria acontecer de qualquer maneira. Todas as vezes estive aqui com ela. A gente se amou muito...
Olhou para Melissa, dizendo:
- Coloque uma roupa. Não vá resfriar-se. Ah, tenho aqui um presente para a casa que acho que vai ficar lindo na sala. Sabe cuidar de peixes?
Estava na área.
Era um imenso aquário.
Foi para o banho.
Melissa colocou toalhas limpas, sais. Ele procurou um roupão que havia no armário. Só então Melissa percebeu que aquela peça estava ali há muito tempo.
Aturdida Melissa.
Liz e Alan...
Madrasta e enteado!
Só então teve consciência de sua nudez.
Inconscientemente, achou até normal diante da barbaridade que ouvira antes.
Uma porque aquele homem jamais se interessaria por ela mesmo. Tendo uma amante como Liz, como querer ela?
Sentiu raiva da amiga.
Ódio pelo amor que aquele homem lhe nutria.
- Vou fazer um chá!- pensou Melissa.
E todos os sonhos se dissolveram de sua mente. 
Um vazio tomou conta de si.
Mas como ele demorava no banho!
Quase uma hora!
Pôs-se à porta procurando ouvir alguma coisa. Nenhum barulho. A porta estava entreaberta. Melissa entrou. Ele estava deitado ao lado da piscina. Chorava... Chorava muito!
Ela acendeu a luz.
- Por favor, apague, sim! Me deixe só! Vou passar a noite aqui!
- Quer um chá? – perguntou Melissa temerosa.
- Pode ser!
Ela trouxe chá com torradas, mas ele só tomou o chá, já um pouco mais calmo.
- Posso ajudar? Aconteceu alguma coisa ruim?
Melissa não resistiu. Colocou a mão esquerda nos cabelos dele, tão mansamente, que ele aceitou e tão naturalmente, que ela viu-se colocando uma torrada em seus lábios.
Ele sorriu vagamente.
- Sabe de uma coisa? É bom estar aqui com você. Não tenho tido tempo na minha vida para coisas assim tão singelas, tão sensíveis...
- E Liz?
- Nosso amor sempre foi como um furacão. Rápido, volúvel, louco. Conheci-a antes do papai. Torton era meu pai. Até fui eu quem apresentou os dois. Ele foi conquistado por ela. Seduzido.
- Essa seria a mesma Liz que eu conheci? Mal posso crer! Ela era tão alegre, tão amiga, tão doce.
- Falou bem. Era. Não é mais. Liz agora está cumprindo pena na Holanda.
- Como pena?
- Assassina. Liz matou o marido dela e a filha. Quer dizer, ela matou o “meu” pai e a “minha” filhinha.
- Sua filha? Meu Deus! Liz...
Ele havia trazido o jornal. Toda a tragédia estava estampada na primeira página de um jornal holandês.
Por um instante, Melissa quase se perdeu.
Para ficar com Alan, Liz decidiu acabar com a própria família!
Ele continuou ali mudo.
Melissa foi em busca de um café forte.
Trouxe para ele.
- Um amor de tanto tempo... E ela teve que denegrir esse amor. Não posso ajudá-la mais. O nome de meu pai, nossos negócios tenderiam a fracassar. Ninguém lá soube do nosso caso. Jamais saberão...
Enquanto Melissa ouvia aquilo tudo, se deu conta de que era a primeira vez que estava a sós com um homem. E se sentia tão à vontade como se já conhecesse aquele homem há muito tempo.
- Vou embora amanhã. Não faz sentido eu continuar nesta casa. Já sei que ela é sua.
- Não, pode ficar. Tenho uma proposta a lhe fazer. E pela amizade que tinha com Liz, quero crer que sua resposta será positiva.
Fez um intervalo, olhou para Melissa e continuou:
- Você é só. Trabalha para sobreviver. Quase nem tem condições para viajar. É até virgem, segundo Liz me disse... Merece tudo de bom nesta vida. Pois bem, eu lhe darei tudo isso. Me diga apenas sim...
Melissa assustou-se.
- Vamos ser realistas.
Roçando seu rosto, ele beijou-a afavelmente, como se suplicasse. Era um pedido mudo de cumplicidade.
Melissa sentia que faria tudo o que ele quisesse. Bastava aquele olhar fixo nela para que a natural fraqueza se propagasse pelo resto do seu corpo.
Ela necessitava dele.
Aprendeu a esperar por ele todos os dias!
Ela esqueceu de tudo, até de Liz. 
Num instante, viu-se desejando aquele homem, tentando achar seus lábios num abandono total.
- Só quero que me diga sim, Melissa!
- Sim... Sim...
Alan levantou-se, carregou-a no colo até a cama, cobrindo-a em seguida.
Foi buscar um uísque.
Achava que aquela mulher estava fácil demais. Não gostava disso. Pobre mulher!
Melissa não reconhecia-se mais. Queria aquele homem como a última coisa de sua vida. Estava como presa dele.
- Preciso de você, Melissa. Casa comigo?
- Por que, se você nem me quer...
- Quero que se case comigo, Melissa!


Ela não pensou mais em nada.
Casaram-se e foram embora para a Holanda.
Longe demais.
Depois daquele oceano que levara Liz, agora também ela estava sendo levada.
Como seria o seu destino?
Tão trágico como o de Liz?
A casa de Alan ficava num bairro fino da capital. Muitos empregados se dispunham vinte e quatro horas do dia para a família.
Nunca havia sonhado isso na vida.
Alan demorava-se muito em viagens pelo mundo. 
Raramente dormia em casa.
Nas poucas vezes, ele nem chegou a possuí-la, deixando-a no momento mais doloroso da paixão.
- Amanhã, vamos visitar Liz. Aliás, você vai visitá-la. Eu não posso aparecer por lá. Quero saber como ela está. Já contratei um advogado para ela. Desculpe, mas vou ter que usar você um pouco. Temos uma festa hoje à noite. Esteja linda, ok?
Realmente era uma festa. Mas Melissa não estava bem, Assustava-se cada dia mais com os atos do marido que a cada dia se tornava mais nervoso.
O advogado de Liz esteve na festa e havia prometido verificar o caso com muita sabedoria.
Melissa não dormiu essa noite. Aliás, nenhum deles conseguiu dormir. O coração disparado. Teria que estar frente a frente com a sua amiga que já não era mais amiga, mas rival e assassina.
Como olhar Liz nos olhos?
Não deveria contar a ela que estava casada com Alan. Foi instrução dele.
Naquela noite, Alan não conseguia dormir. Mais do que Melissa, estava desassossegado. Talvez pela possibilidade de receber notícias de Liz. A ansiedade levava-o para longe dali.
Melissa tentou acalmá-lo.
Deu-lhe um beijo:
- Alan, eu amo você! Eu quero você!
Ele correspondeu com um longo beijo, até senti-la frágil. Mas isso não importava para ela. Liz não estava ali; naquele momento, era ela, Melissa, quem procurava aninhar-se nos braços de Alan, quem estava com ele.
Não conseguia mais pensar numa vida sem ele.
Ele pareceu querer aquele momento. Ou seria agradecimento?
- Não posso trair Liz... – era o sussurro de Alan... 
Uma dor quase insuportável fez Melissa voltar-se para fora da cama.
Não se dormiu naquela casa.
Melissa foi tentar relaxar num banho demorado.
Sentiu que no fundo odiava Liz.
Mais ainda quando Alan surgiu a sua frente, no dia seguinte, às dez da manhã, com um copo de bebida, muito excitado.
- Diga para ela que eu a amo muito e que tudo farei para tentar tirá-la daquele inferno. Ah! Leve aqueles bombons e cigarros para ela, por favor. Não se esqueça das revistas. Leve tudo, sim? Obrigado, tá? Melissa, eu também a ...
O telefone tocou naquele momento. Era o advogado de Liz avisando que estava a caminho dali.
Sem entender muito, achou melhor seguir com o plano de Alan. Quanto antes, melhor. 
Depois de alguns anos tornaria a rever a amiga querida. 
Teve tanto remorso...
Tomou um taxi; a sacola com as encomendas de Alan do lado, um coração em silêncio. Não pensou em mais nada.
- Seja o que Deus quiser! Minha amiga... Por que tudo isso?
No presídio lhe deram uma notícia que ela não entendeu. Liz não estava mais ali. Paralisada, ficou sabendo que ela havia se suicidado.
Ligou para casa. O telefone estava ocupado. Tentou de novo. Ocupado. E de novo. Chamou um taxi para voltar.
Não havia ninguém em casa. O telefone estava fora do gancho.
Esperou. Por muito tempo, esperou.
Alan não voltou naquele dia, nem nos dias seguintes.
Na empresa, disseram que ele havia viajado.
Para onde?
Nada sabiam dizer.
Sem pista do marido, Melissa começou a desesperar-se.
Que fazer?
Pareceu que a história se repetiria. Novamente, ela e um imóvel.
Três meses depois, recebeu um telegrama. Dizia simplesmente:
“Venha para casa”.
O coração de Melissa parecia morrer de felicidade. Pegou o primeiro avião que pode e voou de volta ao Brasil.
Ele não estava em casa. Mas havia uma foto sobre a mesa e uma carta de Alan.
Uma foto igualzinha das meninas naquele álbum guardado no armário do quarto chamou a atenção de Melissa. 
Havia uma dedicatória de Liz? Para ela?
- “Querida Melissa, beijos da sua irmã que muito a procurou e, por orgulho, jamais revelou a sua procedência: aconteceu que meu pai teve um caso com a empregadinha lá de casa. Você é a filha dessa empregadinha. Eu odiei muito vocês duas. Vá conhecer a sua mãe. Coitada. Ela mora na mesma rua do Alan. Número 575. Não sei se você estará viva quando encontrar esta foto”.
A carta de Alan agradecia muito à Melissa por tudo o que fizera por ele; sobre o divórcio, ele se encarregaria de tudo.
Na segunda-feira, ele estaria ali para tratar de tudo.
Chovia muito lá fora. Tal como o coração de Melissa.


Naquela segunda-feira, esperou por ele loucamente. Ouviu a campainha e correu para a porta.
Um Alan mais magro, barba por fazer, olhar distante, sofrido.
- Oi, Melissa. Tem um chá aí, por acaso?
- Claro. Entre, Alan.
- Ah! Antes de qualquer coisa, quero que saiba que encontrei a sua mãe. Prometi levá-la até ela, porque ela está convalescendo de uma cirurgia. Quebrou o fêmur.
- Não precisa, Alan. Posso ir lá sozinha.
- É o mínimo que posso fazer. Liz não devia ter feito isso com você. Ela é gente fina. Só merece carinho. E deverá sentir muito orgulho da filha que tem. Não haverá confusão, porque contei a ela toda a nossa verdadeira história.
De repente, Melissa começou a chorar. Estava cansada. Nada valia a pena. Nem mesmo a ideia de conhecer a mãe lhe servia de consolo mais.
- Por que me deixou lá sozinha. Alan?
- Não pense mais nisso. Acabou tudo. A sua vida voltará a normalizar-se. Ah! Sabe aquela loja onde você trabalhava? Eu a comprei para você. A chave está aqui. É sua. Esqueça tudo o que houve entre nós. Não houve nada, mesmo. Você está inteira. Pode amar a quem você quiser. O Bóris, aliás, lhe mandou um abraço. Disse que está com saudades.
- Não quero nada, Alan. Não quero mais nada de você. Traga os papéis do divórcio que eu assino quando você quiser.
Foi para a cozinha. Tomaria um chá. Precisava de um chá.
Ele ficou na sala pensativo, cabisbaixo.
Ligou a televisão, só para matar o tempo, ocupar os olhos.
De repente, gritou com ela:
- Melissa, será que posso ficar aqui por uns dias até encontrar uma casa para mim? Não consigo mais ficar sozinho. Não sei se volto para a Holanda ou se me transfiro para o Brasil...
Ela já estava ao seu lado.
- Você não precisa da minha opinião. Você tem tudo o que quer. Esta casa é sua. Os móveis são seus. Este espaço é todo seu.
- E você é minha mulher até que o divórcio seja assinado. Que tal?
- Jamais. Cansei de sua frivolidade. De suas fraquezas. Você não cansa de brincar com os sentimentos das pessoas...
- Melissa, tome a cópia da chave da casa. A escritura está no cofre. Pronto! Agora, me dê um uísque, tá?
- Você só manda... Brinca comigo... Não conheço você!
Melissa não o ouviu mais. Já se achava longe de sua vida.
Alan acendeu um cigarro, levantou-se como para ir-se embora, mas parou no meio da sala, encarando-a.
- Estamos a sós, Melissa?
- Claro! A menos que você tenha trazido alguma...
Aproximou-se dela, foi tirando-lhe a roupa, mansa e lentamente.
- Eu a conheci assim...
Ela estava atordoada.
Talvez o cheiro do uísque ou do cigarro que ele emanava da boca. Ou o desejo nela guardado há tanto tempo querendo explodir.. Mas tudo a embriagava.
- Você está mais bonita do que nunca. Naquela época, seus olhos eram mais tranquilos. Hoje, são mais sérios. Eu coloquei essas sombras neles? Tive culpa nessa transformação?
Ela ofereceu os lábios a ele.
Sabia que não passaria do beijo. Então, foi prolongando o momento.
Sabia que permaneceria ali plantada à espera de nada.
Mas desta vez, as carícias dele foram ficando mais longas, mais íntimas, mais invasivas, ela querendo e ele aceitando.
Foi num repente que ele se apartou dela e com um ar muito grave sussurrou:
- Demiti aquele seu funcionário!


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