sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

UM MILAGRE



Lá estava a menina sentadinha na calçada da Igreja, chorando amargamente.

Uns passavam, olhavam, estranhavam, mas seguiam adiante, rumorosamente.
Uns meninos malvados até tiravam sarro dela.
Algumas mulheres arriscavam:
- Ô mãe desnaturada essa que deixa a filha por aí!...
Passou a tarde. Aconteceu a reza. Fechou-se a igreja.
Ninguém teve piedade da menina. Nem o padre se habilitou a tomar conhecimento dos males da pobrezinha. 
O frio da noite trouxe um vento forte e dolorido, assobiando loucamente pelos cabelos da criança que, agora mais calma, parece que dormia. 
Mas como dormir naquele lugar?
Como pernoitar ao relento?
Na porta da igreja?
Foi então que surgiu um bom homem.
De muletas, mesmo assim, tratou de trazê-la de volta para a vida, para o mundo, entabulando uma conversa. 
- Quem é você, criança?
- Eu não sei, já faz tempo que estou aqui...
- Mas está frio. Onde mora? Cadê a sua mamãe?
Os olhos escuros denunciavam não lembrar, não saber de nada, sonolentos.
E a pequena fechou-se num mutismo aterrador.
Sôfrego, o homem decidiu pedir ajuda para uma mulher que morava do outro lado da rua, mas acabou caindo feio, rolou uns três metros.
Levantou-se a custo.
Onde estaria todo mundo?
A cidade dormira tão cedo naquela noite!
Estranhas até as badaladas do relógio! Eram muitas para poucas horas!
A mulher correu para fora de casa, para o lugar indicado pelo homem, mas não havia ninguém lá.
Deu a volta ao redor da Igreja, subiu e desceu as escadas. 
Nada!
Foi quando viu algo brilhando no chão.
Uma correntinha!
E ficou extasiada:
- Mas o que faz a minha correntinha aqui? Já faz tanto tempo que a perdi...
Abriu o pingente em forma de coração e mostrou ao homem, falando-lhe:
- Aqui, olha, meu senhor, é a foto da minha criança que morreu afogada no Rio Ribeira de Iguape. Só tinha sete aninhos. Que linda que ela era! Mas que coisa eu ter encontrado hoje, agora, neste local.Ué!
Pensativa, intrigada, a mulher entregou a correntinha para o homem. 
Este, por sua vez horrorizado, jogou a muleta longe, o mais longe que pode, deu um grito lancinante e saiu caminhando feito um grande pinguim assustado.
Sem muletas!

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