sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

MÃE PRETA



Minha repugnância aos jornalistas, à Igreja, aos empresários, aos políticos e aos militares brasileiros cujos atos e ideologias fizeram com que este país fosse o último país independente do mundo a abolir a escravidão de seres humanos pela diferença de cor.
Minha indignação torna-se maior quando fico sabendo que, por ocasião das comemorações do Centenário da Abolição, no Rio de Janeiro, a PM e o Exército, com um pelotão de mais de quinhentos homens impediram que uma passeata de negros desfilasse pelo centro da cidade, inclusive tomando-lhe cartazes na Estação da Central do Brasil, a cem metros da casa onde viveu Deodoro da Fonseca, e a pouco mais de um quilômetro do Paço onde a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.
Meus sentimentos, mãe preta, porque meu país mal conhece a Democracia e muito menos a Democracia Racial, e os irmãos brasileiros escamoteiam a sua verdade étnica, tentando situar seus filhos não-brancos, que somam metade da população, o mais próximo possível do modelo tido como superior, que é o branco, qualificando-os de baianos, brancos queimados, morenos bem chegados, roxos, sapecados, turvos, queimados de praia, puxados para branco...
Perdão, mãe preta, pela própria Lei Áurea, que transformou os escravos daquela época em desempregados sem terra e sem cidadania.
Perdão, por um Arnaldo Jabor que classificou a mulher preta apenas para o trabalho, porque a morena, a mulata, essa serve e muito bem para a cama.
Perdão, pelo que um dia disse o grande escritor Jorge Amado: que a miscigenação é bom porque lava a raça negra.
Perdão, pelos fãs de Michel Jackson, tão ardorosos, ao ponto de induzi-lo a reproduzir-se numa caricatura desbotada e patética de branco.
Perdão, por termos tido um presidente que traduzia, em seus livros, a visão histórica segundo a qual o negro escravo é praticamente ausente no seu processo de abolição, fruto mais da implantação do capitalismo e, portanto, de uma economia de mercado que exige assalariados.
Perdão, por Pelé, que nunca fez nada pelos seus irmãos de cor.
Perdão, por seus filhos perseguidos.
Perdão, pelo desrespeito às leis que impera neste país.
Afora tudo isso, mãe preta, és sereia, sacerdotisa, rainha sem cetro nem súditos, mas uma fortaleza que ampara teus filhos.
No canto das águas, teces teus sonhos.
No silêncio das preces, ensaias esperanças.
Na força das mãos, carregas o mundo.
Mundo que é feito de cor e de magia, de dança e de passado, de eternas lembranças do tempo que cobra lutas constantes como constantes as batalhas num peito de mãe.


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