terça-feira, 8 de julho de 2014

ESSE CACHORRO FALA



- Para contar a história, só ficou o cachorro.
- Mas cachorro não sabe falar!
- Sabe, sim. Esse cachorro fala.
- Como?
- Quem o vê, sabe que era amigo e único irmão do homem que morava no fim da rua da Seresta, no alto da cidade. Sabe também que eles não se largavam por nada e nem por ninguém. Quantas vezes ambos passavam silenciosamente, maltrapilhos e maltratados, pedindo um pedaço de pão na padaria do Mestre Pupolino. Quantas outras vezes, lado a lado, passavam tristes a caminho do cemitério local visitar os túmulos das três meninas e da mãe, todas elas mortas por afogamento no grande rio que circundava a pequena cidade. Esse cachorro fala, sim.
- Que houve com as meninas e a mulher dele?
- Foi numa manhã de sexta-feira; de repente, uma tempestade, uma enchente. Elas estavam passeando de barco. Não houve tempo de nada.
- Judiação!
- Foi mesmo. Agora, a judiação é ver o cachorro uivando a falta do homem. 
- Onde está o homem?
- No último sábado, ele foi à missa, confessou-se com o padre, estava até bem disposto; parecia feliz, depois de tanto tempo sem transparecer nada além de desânimo. 
- ?
- Pois lá ficou o cachorro esperando por ele na margem do rio. Desapareceu. O cachorro fica lá, uivando de dor. Você ainda acha que esse cachorro não fala?
- Esse cachorro fala!   

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